CRIME AMBIENTAL: O transporte irregular de gás de cozinha em motocicletas
1. Introdução
O Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), popularmente conhecido no Brasil como gás de cozinha, é classificado como produto perigoso, de acordo com a Resolução ANTT nº 5.998, de 3 de novembro de 2022. Conforme essa norma, o GLP pertence á Classe 2: Gases, Subclasse: 2.1: Gases Inflamáveis, sob o número ONU 1075.
Apesar de sua utilização rotineira, seu transporte está sujeito a uma série de normas legais. O transporte irregular, especialmente em motocicletas, não é apenas uma infração administrativa — trata-se de uma conduta penalmente típica, configurando crime ambiental nos termos do artigo 56 da Lei nº 9.605/1998 ( Lei de Crimes Ambientais).
O manuseio inadequado representa risco concreto à saúde pública, à segurança coletiva e ao equilíbrio ambiental, sobretudo em áreas urbanas densamente povoadas.
O meio ambiente, por sua vez, deve ser compreendido em sua acepção ampla, conforme o artigo 225 da Constituição Federal: o ambiente artificial (urbano), o natural e o do trabalho. Logo, condutas que coloquem em risco esses espaços — como o transporte clandestino de GLP — violam o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
2. Proibição do transporte de Produtos Perigosos em motocicletas.
No Brasil o tema é regulamentado pelo Decreto nº 96.044, de maio de 1998, que periodicamente é atualizado pela Agencia Nacional de Transporte Terrestre-ANTT, órgão vinculado ao Ministério dos Transportes.
Em 03 de novembro de 2022 foi publicada a Resolução ANTT nº 5.998, atualização vigente do Regulamento para o Transporte de Produtos Perigosos-RTPP.
Desta forma, o Art. 12 do RTPP estabelece quais veículos podem transportar produtos perigosos, vejamos:
"Art. 12. O transporte de produtos perigosos deve ser realizado em veículos automotores ou elétricos classificados como"de carga"ou"misto", conforme definições e prescrições específicas estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro - CTB, salvo os casos previstos nas Instruções Complementares anexas a esta Resolução."
Já o parágrafo 3ª do mesmo artigo, traz a proibição expressa do transporte de produtos perigosos em motocicletas, motonetas e ciclomotores.
"§ 3º É proibido o transporte de produtos perigosos em motocicletas, motonetas e ciclomotores, salvo se disposto em contrário no Código de Trânsito Brasileiro - CTB, regulamentações da autoridade nacional de trânsito ou nas Instruções Complementares anexas a esta Resolução."
Por sua vez o Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9503/97, traz a proibição em seu art. 139 A, § 2º, com uma ressalva:
"Art. 139-A
§ 2o É proibido o transporte de combustíveis, produtos inflamáveis ou tóxicos e de galões nos veículos de que trata este artigo, com exceção do gás de cozinha e de galões contendo água mineral, desde que com o auxílio de side-car, nos termos de regulamentação do Contran. (grifo meu)"
O transporte de GLP em motocicletas deve ser realizado com o auxílio de side-car, conforme exigido pelas normas de segurança. No entanto, essa exigência é desconsiderada na imensa maioria dos casos — especialmente no município de São Paulo, onde é perceptível que em mais de 99% do transporte é feito de forma irregular. É comum encontrar motocicletas transportando botijões presos lateralmente, sobre o banco do condutor ou fixados em grelhas e estruturas metálicas improvisadas, muitas vezes confeccionadas de forma artesanal, sem qualquer padrão técnico ou certificação.
3. Da quantidade Limitada por veiculo.
Muitos proprietários de distribuidoras de gás de cozinha, assim como diversos condutores responsáveis pelo transporte de GLP nas áreas urbanas, seja na atividade-fim, na venda porta a porta ou mesmo no translado entre depósitos acreditam, equivocadamente, que o transporte de pequenas quantidades de botijões os isenta do cumprimento da legislação específica. No entanto, essa percepção está incorreta, pois, a legislação atual regulamenta o transporte de GLP independentemente do volume transportado.
O RTPP prevê em seu capitulo 3.4, as regras para veículos que transportem produtos perigosos em quantidade limitada, ou seja, em pequenas quantidades, que no caso do GLP é 333Kg, o que equivaleria a mais ou menos 25 botijões de 13 kg.
Mas se a motocicleta transporta entre 2 e 3 botijões porque ela esta passível de fiscalização a luz do RTPP? Vejamos:
Já no item 3.4.3.3 visualizamos o primeiro requisito, possuir uma documentação de transporte.
"3.4.3.3 No Documento para o transporte de produtos perigosos deve ser informado o peso bruto total, em quilograma, de cada produto perigoso transportado sob esta condição."
Dificilmente esse tipo de veículo ao ser abordado apresenta algum tipo de documento de transporte, seja nota fiscal, romaneio, ordem de serviço...etc., muito menos que contenha todos os dados necessários.
Como a regra possui caráter geral e visa evitar que, durante fiscalizações de transporte, sejam concedidas vantagens indevidas a transportadores que se encontram nas últimas entregas — com pequenas quantidades de substâncias remanescentes no veículo —, não se aplica o benefício automático da isenção por quantidade limitada. Assim, o responsável pela carga deve, no momento do embarque, portar nota fiscal ou documento de transporte que contenha expressamente a informação de que aquele produto foi embarcado sob o regime de quantidade limitada, especificando o peso total em quilogramas e a nomenclatura técnica da substância transportada.
Caso o condutor não possua a documentação o RTPP deverá ser aplicado em sua totalidade sem o beneficio das isenções previstas no 3.4.3.4.
Caso possua terá os seguintes benefícios:
3.4.3.4 O transporte de produtos perigosos em quantidades limitadas por veículo, nas condições estabelecidas neste Capítulo, está dispensado das seguintes exigências:
a) rótulos de risco e painéis de segurança afixados ao veículo;
b) porte de equipamentos de proteção individual e de equipamentos para atendimento a situações de emergência, exceto extintores de incêndio, para o veículo e para a carga, se esta o exigir; (grifo meu)
c) limitações quanto a itinerário, estacionamento e locais de carga e descarga;
d) treinamento específico para o condutor do veículo;
e) proibição de conduzir passageiros no veículo; e
f) símbolo para o transporte de substâncias perigosas para o meio ambiente afixado ao veículo.
Vemos então que o transporte de PP em pequena quantidade permanece obrigatório o extintor de incêndio, conforme alínea b, o que por si só já inviabilizaria esse tipo de transporte em motocicletas.
Permanecem também validas as seguintes exigências conforme item 3.4.3.5.
3.4.3.5 Permanecem válidas as demais exigências regulamentares, em especial as que se referem a:
a) as precauções de manuseio (carga, descarga, estiva);
b) rótulo (s) de risco afixado no volume;
c) marcação do nome apropriado para embarque e do número das Nações
Unidas, precedido das letras ONU ou UN, no volume;
d) porte da marca ou identificação da conformidade nos volumes;
e) símbolo para o transporte de substâncias perigosas para o meio ambiente afixado no volume.
4. Transporte de Botijões vazios
Os botijões vazios deverão ser fiscalizados como se cheio estivessem, essa é mais uma modalidade que gera dúvidas nos transportadores.
O capitulo 3.5 da Res ANTT 5.998/22 traz algumas isenções para embalagens vazias e não limpas, porém, essas isenções não se aplicam a classe 2, conforme item 3.5.1.1.
3.5.1.1 Não se aplicam as disposições deste Capítulo para embalagens vazias, não limpas, contendo resíduos de:
a) produtos perigosos da classe 2;
Destaca-se que possui a isenção de não portar o documento para transporte conforme item 5.4.1.3.1.1.:
"5.4.1.3.1.1 O transporte de cilindros vazios e não limpos que contiveram o produto perigoso GLP (número ONU 1075), oriundos da coleta residencial, está isento da apresentação do documento somente no trajeto entre a residência do consumidor e os centros de armazenamento dos distribuidores, sem prejuízo das normas que regulamentam o serviço de distribuição e comercialização desse produto, estabelecidas pela autoridade competente."
5. Tipificação Penal: Artigo 56 da Lei nº 9.605/98
Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
O artigo 56 da Lei nº 9.605/1998 ( Lei de Crimes Ambientais)é uma norma penal em branco, ou seja, depende de complementação por normas extrapenais para ser plenamente compreendida e aplicada, já que o tipo penal não define diretamente o que são "substâncias tóxicas, perigosas ou nocivas", nem especifica quais são as exigências legais ou regulamentares que precisam ser seguidas.
Dito isso, o simples fato do veículo ser abordado apresentando qualquer irregularidade — como a ausência de equipamentos obrigatórios, a exemplo do extintor de incêndio, ou o transporte inadequado do GLP, em veículos de passeio ou motocicletas sem o uso de sidecar — já configura crime ambiental. Afinal, o transporte estará sendo realizado em desacordo com o regulamento, preenchendo os requisitos do tipo penal previsto no artigo 56 da Lei nº 9.605/1998.
6. Condutas mais comuns que configuram o crime
Transporte de botijões de GLP em motocicletas sem o auxilio de side-car
Veiculo não classificado como carga;
Transporte realizado por pessoa não habilitada e dependendo da situação sem curso específico;
Ausência de extintor de incêndio;
Carga mal estivada.
(entre outras)
7. Conclusão
O transporte irregular de GLP não pode ser encarado como uma simples irregularidade administrativa passível de multas, trata-se de um ato ilícito, um crime ambiental que vem sendo normalizado. É imprescindível que os agentes públicos, especialmente os responsáveis pela fiscalização de trânsito, transporte e de proteção ambiental, estejam atentos a essa conduta, atuando com firmeza para coibi-la, pois, o rigor na fiscalização não é excesso, mas respeito à vida e à normas ambientais.
Referência
Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
Resolução ANTT nº 5.998, de 3 de novembro de 2022
Decreto nº 96.044, de 18 de maio de 1988
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ROGER DE AMORIM BASTOS
BACHAREL EM DIREITO
PÓS GRADUADO EM DIREITO DE TRÂNSITO
PÓS GRADUANDO EM DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL
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